Autor: circopaulasouza

Ida Wells

  • [#001] Entrar é “fácil”, quero ver graduar

    Da luta diária à luta coletiva pela permanência estudantil

    Ocupação do Centro Paula Souza em 2016, pelos estudantes das Etecs, por alimentação nas escolas.

    Moro há cerca de 60 km da faculdade em que estudo.

    Acordo às cinco da manhã para levar mais de duas horas para chegar lá. Ela é uma das melhores em relação ao meu curso e passei em primeiro lugar. É a minha primeira graduação e a primeira na história da minha família.

    Como várias pessoas que estão lá, a faculdade é hostil. Não por conta dos professores e funcionários: apesar de sofrerem neste exato momento diversos ataques em suas carreiras, salários e benefícios, sabemos que estão dando o seu melhor. Como então a faculdade é hostil? Já chego lá.

    A direção e alguns docentes lamentam a evasão. Lamentam a diminuição de inscritos e pagantes do vestibular. Lamentam nosso baixo engajamento com a faculdade e a pesquisa, mas não lamentam a falta de uma política de permanência estudantil que seja.

    Por conta das três horas que precedem a nossa primeira aula – além do ônibus, as horas no trem e a caminhada até o campus – eu e alguns já sentimos fome muitas vezes. Não devemos nos atrasar e passar no mercado que tem na frente da faculdade, então simplesmente entramos. Passam umas horas e é o intervalo: temos 20 minutos para comer e descansar. Nossas opções são: levar algo de casa para comer e ganhar tempo, pagar oito reais num salgado ruim, perder quase 15 minutos do intervalo para ir ao mercado e comprar algum ultraprocessado – ou não comer nada.

    Em uma outra faculdade, em uma universidade estadual como a Universidade Estadual Paulista (UNESP) por exemplo, esses mesmos oito reais do salgado ruim nos renderia dois pratos de comida cheios. Já na Universidade de São Paulo (USP), talvez conseguiria quatro deles. E por que isso?

    Como tudo que conquistamos enquanto povo, após décadas de protestos, greves, ocupações e outras táticas, estudantes em diversos lugares do território brasileiro conquistaram o direito de acessar a faculdade. Obviamente, temos um longo caminho pela frente, mas demos alguns passos e um passo importante é um conjunto de práticas e benefícios que tentam facilitar o acesso e, principalmente, a nossa permanência no Ensino Superior. A nossa porque, como você já deve saber, a classe dominante criou o Ensino Superior e sempre o acessou, logo, ela permanece aqui desde sempre. Nós, não.

    A luta dos etequianos em 2016 conquistou o direito a refeições em todas as Etecs com cursos integrais.

    A permanência estudantil visa diminuir a evasão e desistência e promover um ambiente sadio para a aprendizagem, e suas práticas podem ir desde um aporte financeiro, transporte, uma creche de qualidade no campus para garantir o cuidado das crianças, até uma coisa um pouco mais básica: a alimentação.

    Citei USP e UNESP por um motivo: seus restaurantes universitários (RUs) grandes e acessíveis. Em 2024, por exemplo, a USP subsidiou 50 milhões de reais em Alimentação. A UNESP é maior e por isso mais difícil de se encontrar o dado exato, mas em 2015, em torno de 380 mil reais foram investidos para subsidiar refeições e custos no campus da UNESP Bauru, por exemplo. Segundo um estudo de 2018 realizado pela Coordenadoria de Permanência Estudantil (COPE) da própria UNESP, um custo médio de R$15 por cada refeição tem a maior parte (12 reais) custeada pela instituição – o restante (cerca de 3 reais) é pago por cada estudante. Ainda que os RUs ainda tenham problemas, são uma forma de garantir a saúde, a segurança alimentar e uma melhor vivência acadêmica.

    Ainda espero ouvir um argumento realmente convincente sobre a inviabilidade das nossas faculdades garantirem uma alimentação estudantil. Não acredito na balela da dificuldade financeira do Estado de São Paulo, e muito menos na preguiça criativa que existe na direção de faculdades que prezam (em discurso) a inovação. Se eles não tem uma resposta, nós devemos ter a nossa, pois sabemos que os problemas do modelo atual vão persistir.

    A nossa situação não é fácil. Nunca foi. No entanto, se tem uma coisa em que nós podemos contar, essa coisa é a nossa capacidade de se organizar e conquistar o que desejamos. O tempo passa rápido, mas fazem só 9 anos que os estudantes das Etecs (através de greves, manifestações e ocupações) garantiram alimentação nas suas unidades.

    Não sei nem apontar há quanto tempo os estudantes das universidades citadas acima lutam por esse direito básico. Sei até que alguns campi da UNESP continuam lutando pelo seu RU e que continuam em todas as universidades a luta por mais políticas de permanência. Nós, estudantes das Fatecs devemos seguir seus exemplos, aprender com os seus limites e travar uma luta estadual por esse direito básico que é o da alimentação.

    –Arlequino.